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Património Cultural

Exhibitions Inaugura no dia 5 de maio, às 21h00. Patente até 27 de agosto

Kukas | Homenagem à geometria

Inaugura no dia 5 de maio - 21h00, no Museu Nacional de Arte Contemporânea, em Lisboa a Exposição Kukas | Homenagem à geometria.

A graça e o pomo de oiro

A joalharia, arte híbrida entre desenho, escultura, pintura, arquitetura e design, faz a sua entrada no Museu Nacional de Arte Contemporânea, depois de mais de um século de existência do museu, pela mão de uma artista que a cultiva há exatamente seis décadas — Kukas. Esta estreia absoluta na apresentação de uma arte, no mínimo, irrequieta de tão atenta ao seu tempo, é tanto mais significativa quanto Kukas não é apenas uma cultora da joalharia. Foi a primeira autora a renovar a linguagem formal desta arte, em Portugal. No início da década de 1960, inspirada primeiro na sua formação parisiense, foi também incontornável a sua descoberta da joalharia nórdica. Esta, acompanhando a renovação dos modos de viver no pós-guerra, as novas exigências de quotidianos mais despojados e esteticamente mais depurados, revolucionou a vida doméstica.

A joalharia haveria de mostrar o repensamento da relação com o corpo e com a identidade de quem a escolhia. Mais do que um símbolo estatutário, social, a joalharia transforma-se num reflexo de natureza íntima de quem a usa. E, se esta arte, em Portugal, vive também do cruzamento de linguagens e territórios; se o próprio conceito de jóia se transformou, muito devemos a Kukas. As suas jóias, os seus objetos, procuram encontros. A mediação de que a autora fala, e que é esse laço invisível entre a criadora e quem vai usufruir das suas criações. Mais do que o estatuto é, portanto, o usufruto, o prazer de encontrar um adorno ou objeto que evoque algo, que ressoe um lugar demiúrgico ou narrativo, o que Kukas propõe.

Ela própria sujeito de uma pintura (As três Graças, de Nikias Skapinakis, por feliz acaso também com coleção pessoal — “Os Nikias do Nikias” — patente no MNAC, em calendário parcialmente coincidente), Kukas fez-nos olhar para o corpo de uma forma nova, ao questionar as formas que o envolviam e ressignificavam. Manteve, é certo, os materiais clássicos. Os metais e pedras preciosas, os âmbares, as pérolas. Mas pode-se tomar o mundo tal e qual ele é e transformá-lo por inteiro. E assim fez a artista. Pegou nas muitas tradições com as quais a joalharia sempre se (con)fundiu e remodelou-as, trazendo-as para a contemporaneidade com exigências diversas, ruturas concretas e com o gosto absoluto do pleno conhecimento técnico, do prazer da geometria, das texturas, da modelação, da escala, da interpenetração da luz, das transparências e da organicidade. Na sua grande retrospetiva no MUDE, há mais de uma década, os textos de Bárbara Coutinho e de Cristina Filipe traçaram todos esses dados relevantes da obra de Kukas. A tentação pictórica, escultórica e também arquitetónica. O movimento dado a matérias sólidas e a incontornável importância da luz. O valor dado à relação entre a jóia e o corpo com o qual dança. O impulso da monumentalidade.

Sem dúvida, na sua obra cabem o ornamento e a casa, o mundo exterior e interior ao ser, a paisagem  e o detalhe. Clássica, muito clássica nas formas e na tentação escultural, por vezes arquitetónica, de adornos e de objetos, a obra de Kukas troa no espaço. Nunca é silenciosa, nem temorosa — antes temerária. Por isso, tivera Páris o árduo desafio de escolher a graça à qual dar a maçã de oiro, o pomo, sem dúvida alguma, seria reclamado por Kukas e daí não viria discórdia, já que ninguém duvidaria ser-lhe devido o metal precioso e esse pomo simbólico que ficaria também ligado ao conhecimento.

Devo a Raquel Henriques da Silva ter-me apresentado Kukas, que só conhecia pela obra. E foi então que soube do seu sonho antigo de expor no MNAC. Assim se semeou esta ideia que agora toma corpo, com o generoso e incontornável envolvimento de Filipa Fortunato,  e com a curadoria de Raquel Henriques da Silva, às quais manifesto o meu agradecimento. Esta exposição é, por duas razões, um momento particularmente festivo para o museu. Não apenas pela primeira entrada da joalharia na história expositiva do MNAC, mas também porque se inaugura no dia em que Kukas cumpre 95 anos de vida. Apresentando obra nova, tal como ela sonhou e afirmou publicamente quando, em 2021, participou nos Depoimentos de Artistas, para o MNAC, como sempre, a autora evoca o seu gosto pelos materiais perenes, por formas que mergulham no tempo. E, como sempre, faz do devir — a respiração de quase um século de vida e mais de meio século de obra — o seu território.

Emília Ferreira

Lisboa, Abril de 2023

Organization:
MNAC/DGPC
Local:
Museu Nacional de Arte Contemporânea, Lisboa

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