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Diário das pequenas coisas
Nestes dias de pequenas coisas, o Museu Nacional de Arte Contemporânea - Museu do Chiado leva-lhe a sua colecção ao domicílio. E porque a Arte tem sempre tudo a ver com a vida, começamos com um tema que agora pode voltar a ocupar as nossas horas: um Jogo de Damas.Em 1927, Abel Manta (1888-1982) pintou uma tela com o tema do Jogo de Damas. Nessa obra, um homem e uma mulher, sentados frente a frente, concentram-se num dos jogos de tabuleiro mais usados nos serões familiares e nos cafés. Na abordagem introspectiva de Manta, os jogadores parecem estar num café, percebendo-se entre eles um silêncio concentrado mas descontraído, especialmente notório na expressão fisionómica e corporal da figura feminina, elemento inovador neste contexto do jogo, com a sua elegante, serena e afirmativa presença. Na verdade, apesar da liberdade vivida nos anos de 1920, a tranquilidade da representada, como uma igual — nem como sedutora, vampe, nem como uma mulher tradicional —, é todo um programa. Vestida de modo elegante, mas sem exuberâncias, a modernidade desta mulher é transmitida também pelo cabelo curto, à garçonne, apanágio das jovens que assumiam o corte com o papel tradicional das mulheres.
A presença claramente assertiva da figura feminina é tanto mais interessante quanto o pintor usa como modelo a sua mulher, a pintora e investigadora Clementina Carneiro de Moura (1898-1992), que completara o curso de pintura na Escola de Belas Artes em 1920, e com quem casara no mesmo ano de 1927 em que pintou esta tela. Assumindo a hipótese de o jogo de damas decorrer num café (numa cena claramente diurna, a avaliar pela indumentária), espaço tradicional destes jogos de tabuleiro, a simples presença de uma mulher, é um elemento inusitado e afirmativo da personalidade da retratada, já que, por estes anos em Portugal, ainda não era habitual a presença de mulheres nesses espaços.
Abel Manta apresenta-nos um jogo de damas em que a dama é, a seu modo, personagem central da composição. Não será apenas uma razão pictórica (para fazer as peças tomadas pela jogadora contrastarem com o tampo da mesa) o facto de ela jogar com as peças brancas: na verdade, no Jogo de Damas, são as brancas que iniciam o jogo. Talvez este tenha sido um modo de Abel Manta nos dizer que via o amor como um Jogo de Damas.
Emília Ferreira
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